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A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 13º CAPÍTULO

Na conversa com Rosa, o detetive Júlio Ramirez descobre que ela está assustada com a onda de crimes por ingestão indevida de insulina a quem é saudável. Um crime que não deixa marcas. Confusa, Rosa está mais temerosa, porque contraiu a doença. Mas há outra expectativa de Júlio em relação a ela, o seu relacionamento com o mecânico Paulo e o assassinato da jovem Taís.

Júlio volta para o hotel refletindo sobre tudo que ouvira. A história de Rosa estava muito mal contada. Afinal, defendera o mecânico com muita firmeza, ao mesmo tempo que acusava a vítima de ser uma leviana, revelando todo o ódio que sentia. Por fim, acusara o médico, dizendo que o seu carro estava no local do crime. Mas como sabia que o carro estava lá?

Em poucos dias, conhecera uma mulher com traços completamente distintos, de acordo com a situação. Se havia alguém mais estranho naquela cidade, era a maestrina, pois um dia era uma pessoa cordata, tranquila, atendendo o pessoal do hotel com esmero e cuidado, bem como, segundo diziam, uma regente do coral com muito talento. Noutro, era uma mulher assustada e ao mesmo tempo indignada, mostrando-se rancorosa e com muitos segredos. Mas talvez estivesse aí, a chave do problema. Talvez ela estivesse assustada não pelos crimes, que segundo dissera a afetavam profundamente, em virtude de algumas pessoas terem sido assassinadas por um criminoso que injetava insulina em pessoas saudáveis. Talvez o outro crime fosse a causa de sua aflição, em virtude da presumível implicação de seu protegido. Isso ele precisava descobrir. Por isso, ligou para o médico para esclarecer sobre o carro. Segundo Ricardo o informara, ele fizera uma caminhada perto do rio. Mas teria levado o carro até lá? Se foi de carro até certo ponto, para prosseguir o caminho a pé, a menina não mentiu. Ana afirmou ter visto um carro conversível e disse que era do médico. Agora Rosa confirmava que o carro estava perto do rio, no dia do crime. Ricardo atende o celular depois de muito resistir, entretanto não havia como fugir do detetive. Era insistente, e talvez tivesse alguma novidade que precisasse saber.

– Então, detetive, quer saber alguma coisa ou tem alguma novidade para mim?

– Por enquanto, não tenho nenhuma novidade, que valha à pena, dr. Ricardo. Queria fazer-lhe uma pergunta. Naquela tarde-noite, você disse que caminhou pela beira do rio para se acalmar. Me diga uma coisa, você foi de carro?

– Claro que não, o meu carro estava na oficina.

– Na oficina Silva, naquela em que trabalha Paulo?

– Essa mesma. É a única na cidade.

– Mas então, alguém usou o seu carro naquele dia.

– Como assim?

– Deixa pra lá, me diga, quando entregaram o carro pra você?

– Se bem me lembro, logo no dia seguinte. Não era nada grave, apenas a bateria que estava fraca. Mas por que pergunta? Quem andou com meu carro?

– Não se preocupe com isso. Obrigado pela informação. Grande abraço, doutor. Descanse.

– Espere, o senhor não me respondeu…

– Passe bem, doutor Ricardo.

Júlio senta-se numa pequena escrivaninha em seu quarto e começa a fazer um esquema. Faz ligações entre os envolvidos e pensa numa maneira de acareação, embora este seja um procedimento policial. Jairo havia dito que segundo a perícia, a moça havia sido realmente assassinada. Então não tinha porque conjecturar sobre suicídio ou acidente. Ela foi jogada no rio e os ferimentos revelam que foram feitos antes da queda. Além disso, provavelmente tenha sido empurrada para a ribanceira após a ponte, onde as águas são mais profundas e com muita força, além de ser haver muitas pedras submersas. Precisava falar com o delegado para que conseguisse juntar as pessoas. Ficou muito tempo fazendo verdadeiras acrobacias mentais, por fim, resolvera deixar tudo para o dia seguinte. Os esboços já estavam de tamanho suficiente para que se desenvolvessem mais tarde. Decidiu dar uma navegada na internet e depois leria um livro, para cair no sono. Deitou-se só de cuecas na cama, pois fazia certo calor, no quarto. Não fez nada do que se propusera e caiu num sono intenso. Começou a sonhar com o passado, a pequena casa que morava não tão distante do rio, os pais, os irmãos que partiram para longe, a mulher que o deixara há pouco tempo, o livro que gostaria de escrever. Estava assim mergulhado em sonhos entremeados com pesadelos, porque alguma coisa o deixava angustiado nas imagens que seu cérebro produzia, na impossibilidade de discutir os problemas que envolviam a pequena cidade natal.

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