Muito se tem falado sobre o romance “O filho eterno” de Cristóvão Tezza, inclusive o livro virará filme em 2017. Há centenas de predicados e muitas considerações críticas favoráveis ao romance, o que sem dúvida condiz com a reconhecida qualidade literária do autor.
Numa publicação anterior dissertei um pouco sobre o conceito de identidade e alteridade, por isso gostaria de fazer uma relação do conceito da alteridade que se percebe no relacionamento do protagonista com o filho e consigo próprio. Este fato remete à identidade e à alteridade, no sentido do protagonista (o próprio escritor) ver no outro (o filho) o desfecho de uma perspectiva que não aconteceu, em virtude da Síndrome de Down.
“O filho eterno” de Cristóvão Tezza seria o encontro do homem consigo, na perspectiva de ser pai e criador de sua própria tessitura literária, mas a trama revela num primeiro momento o desencontro de um pai que tem o filho com Síndrome de Down. Com o decorrer da narrativa, fica claro a pergunta que o autor se faz em todos os momentos, que é como lidar com este ser que nunca será um adulto, no sentido de sua conduta na sociedade, e que portanto nunca preencherá o desejo atávico do pai em encontrar no filho a sua identidade, o seu eu e mais ainda, um outro melhor. O desejo de perpetuar a espécie melhorando-a, projetando no outro que está por vir os nossos desejos talvez não cumpridos, ou seja um ser mais forte, que tenha mais sucesso e construa um mundo melhor e prazeroso.
A história autobiográfica em forma de romance de Cristóvão Tezza aborda este problema da alteridade, incluindo-o na literatura e no nosso imaginário social. Com isso, o autor com inteligência e criatividade abre um espaço para o debate, mostrando em sua percepção humana o quanto é difícil colocar-se no lugar do outro, o quanto é difícil aceitar o outro, o quanto é difícil enxergar-se as diferenças e conviver com elas. Para que este conflito ocorra, o autor não hesita em mostrar a reação de repúdio e de afastamento, quando a informação do filho doente vem à tona. Ele acaba fugindo daquele cenário, dos personagens que constituem aquele clima adverso, do filho, da mulher, acreditando que tudo é odioso, descrevendo as próprias reações com uma força que torna este fenômeno tão próximo e plausível, que nos reconhecemos nesta violência implícita, mas que não ousamos admitir.
Pode-se refletir que a situação em que o protagonista mergulha é uma problemática inglória e insana, de modo a nos perguntarmos como lidar com a diferença, quando chegamos num caso limite, quando a fronteira do aceitar ou recusar se fecha.
De certa forma, é o questionamento que fazermos, quando lidamos com os direitos humanos, com a democracia, com os sentimentos de eugenia.
Aquilo que nos diferencia do outro sob qualquer aspecto de acordo com o nosso entendimento e julgamento, nos ameaça, seja a língua estrangeira, o próprio estrangeiro, o que vem de fora.
A teoria dos Direitos Humanos é fundada na construção de uma identidade de humano, que é profundamente excludente nesse sentido, na medida que a percepção das culturas envolvidas funciona como uma estratégia de exclusão do outro. Enquanto a Europa desenvolvia o seu discurso humanista, a escravidão africana no mundo colonial era tida como algo absolutamente justificável, bem como o extermínio dos índios, pois estes eram vistos como não plenamente humanos, pois nao se encaixavam dentro de uma concepção de identidade de sujeitos modernos, que até hoje está na base do discurso convencional e clássico dos direitos humanos.
Apreendemos então, que a dinâmica do Direito Internacional dos direitos humanos é no sentido de aceitar o outro porque o direito nos obriga. No pós-guerra, ele começa com uma linguagem bastante abstrata e generalista, no pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais, tratando do sujeito. Pode-se dizer generalista, porque trata do sujeito abstrato, porém, toma outra direção, quando reconhece o direito dos sem voz, dos excluídos, das mulheres, dos afrodescendentes, dos que possuem orientações sexuais diferentes, dos deficientes, dos prisioneiros. Para tanto, foi criada uma dinâmica do direitos humanos para reconhecer os direitos diferenciados daqueles que não se encaixam na gramática do formalismo legal e por isso, não encontram espaço para as suas demandas.
Na história de Cristóvao Tezza, o autor deixa claro através de sua narrativa que as nossas relações de reconhecimento de alteridade podem e devem ser desiguais, ou seja, a resposta que temos não deve ser a mesma que esperaramos, mas há uma retorno. Uma criança com a Síndrome de Down, que é o caso do filho do protagonista terá uma reciprocidade com o outro, mas não a esperada. Pode existir sim uma reciprocidade e aí se realiza a alteridade. Aí se realiza o encontro.
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