Júlio Ramirez era um detetive aposentado, como dissera à Rosa. Na verdade, nunca fora um profissional muito dedicado, muito menos com grandes vitórias no currículo, mas em alguns casos, fora especialmente primoroso. Às vezes, se dedicava até com paixão, mas precisava surgir um fato muito envolvente para levá-lo a este estado de eficiência.
Naquela noite, estava conversando num boteco da cidade, com um velho amigo, quando surgiu o assunto do assassinato de uma moça da região. Era mais um crime na pequena cidade, só que agora parece que estavam interessados em falar sobre o assunto. Tratava-se da filha do farmacêutico Lucas, velho conhecido nas redondezas.
Júlio, na verdade, queria tomar a sua cachaça batizada e preocupar-se com outras coisas mais interessantes, principalmente agora que estava sozinho, e cansara de não ter com quem conversar. Sabia, no entanto, que era um indício de que devia retomar a sua profissão, afinal, viera à cidade por um pedido que parecia ser de uma pessoa muito preocupada com os fatos. Jairo, o amigo, insistia no assunto mais falado na cidade.
– O Golias, sabe? – Assim chamavam o farmacêutico. – Está revoltado e não é pra menos. Veja você, numa cidadezinha dessas, no fim do mundo, quase uma vila, um cara aparece do nada e mata uma moça inocente!
— Jairo, cheguei hoje no hotel e não ouvi ninguém falar nada. Até mesmo a porteira, uma tal de Rosa, que fala pelos cotovelos, não comentou nada. Além disso, houve outros crimes nesta vila, como você diz…
— É verdade. Só que eram pessoas de fora. Dizem que eram turistas ou vieram aqui motivados por algum trabalho. Entretanto, até hoje, ninguém provou nada. Mas esta moça era conhecida de todos, certamente a sua amiga ainda não soubera da história.
– Mas descobriram o assassino?
– Não, mas o povo está desconfiado. Dizem por aí que foi um médico que se estabeleceu na cidade, há mais ou menos um mês. Gente que não quer ficar aqui, que detesta a cidade. E o que andam falando é que o miserável seduziu a moça!
– Meu caro, nos dias de hoje não existe mais isso de sedução. No nosso tempo, podia acontecer. As mulheres não trabalhavam, viviam na casa dos pais, sem saber de nada, sem se instruir, claro que falo em vilarejos que nem este.
– Mas uma moça fica iludida. Dizem que o homem prometeu casamento.
— Em tão curto tempo?
— Não sei, tudo é possível. Mas sabe-se lá, o povo fala demais, né?
— Como ela morreu?
— Abriram inquérito, porque oficialmente ela se suicidou. Desceu a ribanceira, caminhou pelas pedras e se atirou. Dizem que o corpo foi parar no outro distrito.
— Mas então?
— Ela foi assassinada, porque o perito que veio da Capital encontrou arranhões produzidos em seus braços, antes de ser morta. Eram arranhões que se alastravam pelos braços e pelas costas, assim como no pescoço, como se houvesse lutado. Para mim não há dúvidas que foi assassinada!
– Mas se ela escorregou nas pedras…
– Você vai contestar o perito?
– Não, de modo algum.
Nisso, Saraiva, o botequeiro entrara no assunto. Mostrava conhecer mais detalhes: – Mas o pai não pode fazer nada, não tem provas. Acusa o médico por causa do relacionamento dos dois.
Júlio indagou como teriam a certeza de que a moça morrera mesmo naquela região.
Jairo argumentava que havia uma menina no dia da tragédia, ali por perto, e que prestara um depoimento.
– Uma menina?
– É o que dizem. Isto é, o que a polícia diz. – Acrescentou o dono do bar.
– E como esta menina soube do crime? O que ela viu? O que estava fazendo por aquelas bandas?
– Calma, Júlio, calma. Você parece que vai pegar o caso.
– Sou um detetive aposentado, você sabe. Tenho a minha profissão de advogado, na capital, que vou tocando devagarinho. Quero sombra e água fresca. E depois, vim aqui para falar com uma tal de Sara Soares. Você conhece?
— Acho que é a mulher que vive numa casa quase abandonada, no final da colina. Não é muito dada a se misturar com o povo.
—É, meu amigo, como lhe disse, quero sombra e água fresca.
– Por aqui, você não vai encontrar nada disso! – informava sorrindo, Saraiva.
Jairo já um pouco irritado com a intervenção do homem, combinara com Júlio a se retirarem para uma mesa mais distante do balcão. É o que fizeram, e o homem os seguira, perguntando que bebida preferiam.
– O mesmo que estamos bebendo, Saraiva. Traz a cachaça pra ele e uma cerveja pra mim. E estamos conversados, ok?
O homem afastou-se, fazendo uma careta de maus humores. Em seguida voltava com o pedido, e em silêncio esperava que pedissem mais alguma coisa. Por sorte, alguém chegara no bar em direção à caixa.
– Então me conta, Jairo, o que a menina estava fazendo lá?
– Eu não sei tudo, só o que o pessoal fala por aí. O nome dela é Ana, tem mais ou menos 14 anos e ouviu um grito que vinha da ribanceira do rio. Ela, pelo que me consta, estava pelas redondezas. Era tardinha e havia neblina. Muito curiosa, ficou observando, quando percebeu que alguma coisa estranha corria rio abaixo. Em seguida, se deu conta tratar-se de uma pessoa, então correu em busca de socorro. Ela achava que a moça havia se jogado na água.
– Mas então, por que as desconfianças de assassinato?
– Porque a vítima tinha escoriações pelo corpo e não foram produzidas pelas pedras, entende? Além disso, acharam seu celular.
–Sim, você me disse que ela tinha alguns arranhões pelo corpo. Mas onde estava o celular?
– Caído num barranco, bem próximo à água.
– E havia alguma coisa, alguma mensagem que sugerisse uma suspeita?
– Sim, uma mensagem do médico, pedindo que a esperasse na beira do rio. Ele a encontraria às 8:30h.
– Qual é o nome do médico?
– Ricardo Silveira. Está há pouco tempo aqui na cidade e parece não ser bem quisto.
Júlio calou-se. Percebeu que o amigo também não tinha mais nada a dizer. Tomou mais um gole de cachaça e preparou-se para voltar ao hotel. Jairo perguntou se ele pretendia ficar muito tempo na cidade.
– Pretendia ficar um mês mais ou menos, mas não sei se vou aguentar. Esta cidade é muito pequena, todo mundo é muito solitário por aqui. Sei como é, nasci aqui, você sabe.
– Veio pra descansar?
– Na verdade, vim para escrever um livro, uma autobiografia e para conversar com esta tal senhora, que me chamou até aqui. Acho também que está na hora de pesar a minha vida, o que fiz de bom, de ruim. Fui advogado, detetive particular, casei, não tive filhos. Mas acho que tenho muito a contar.
– Ué, você não disse que ainda é advogado?
– Como falei, vou tocando devagarinho. Deixei os grandes casos. Só trabalho pra não perder o hábito… ou pra não ser esquecido. – Fez uma pausa, pensativo. Em seguida, voltou-se para o amigo. – E você Jairo, o que faz da vida?
– Tenho uma pequena propriedade perto do rio, sempre trabalhei com madereira, mas agora, estou mudando de ramo. Quero fazer alguma coisa relacionada a camping. Acho que será onde moro mesmo, bem longe da civilização.
– Nem precisava ir muito longe, meu amigo. Esta cidade já parece longe de tudo.
fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/users/andygraham-2334502/
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