Capítulo 5
Rosa investigava distraída o celular, quando Ricardo deu uma
pequena batidinha no balcão. Ela assustou-se e pediu desculpas pela displicência.
— Não se preocupe dona Rosa. É que estou com um pouco de pressa, esqueci uns documentos no quarto e preciso sair rapidamente.
— Ah, sim. Já lhe dou a chave. Doutor, gostaria de participar do nosso coral da igreja? Olhe, não precisa ser cantor, basta ter boa vontade.
— Dona Rosa, além de eu não ter o mínimo de talento, tenho muito pouco tempo. A senhora sabe, o hospital…
— É verdade, é que a gente sempre está precisando de novas vozes para o coral. Mas quando puder, apareça lá, veja os nossos ensaios. E assim que houver uma apresentação para o público, pode ter certeza que o convidarei. Sou também a maestrina, sabe?
— Ah, sim, muito obrigado.
Quando está se afastando, Rosa ainda pergunta:
— Doutor, é rapidinho. Tem alguma notícia de Raul?
— Raul Soares? A senhora o conhece?
— Sim, este mesmo. Ele é meu colega no coral, disse que iria se apresentar na reunião, mas soube que esteve doente. Ele é meio maluco, mas nunca soube que tinha diabete.
— Está bem, deve dar alta hoje mesmo.
Ricardo subiu ao quarto pensando nas palavras de Rosa. Todos pareciam se conhecer nesta cidade, inclusive a mulher da portaria do hotel era também colega de Raul no coral. No quarto pegou as suas coisas, olhou se estava tudo em ordem e desceu com a intenção de afastar-se logo dali. Entretanto, Rosa ainda tinha outras perguntas.
— Não gostaria de incomodá-lo, mas sabe, um dia desses, Raul esteve na minha casa e bem, andou fumando maconha, sem eu saber. Resumindo, drogou o meu cachorro. Queria saber se é possível isso ou aconteceu alguma outra coisa com o meu animalzinho.
— Ele ficou bem?
— Sim, no outro dia estava normal, alegre como sempre.
— Então pode ser – Dizendo isso, despediu-se e afastou-se, concluindo a conversa. Rosa ficou olhando-o, pensativa. Deixou o celular numa prateleira sob o tampo do balcão e dirigiu-se até a porta envidraçada, observando a rua. Não havia nada interessante, pensou. No entanto, um homem que se aproximava do hotel, chamou a sua atenção. Percebeu tratar-se de um provável hóspede, por isso, voltou ao balcão, sentou-se e esperou que ele abrisse a porta.
Apresentou um amplo sorriso, quando o homem alto e de terno escuro entrou. Esperou que ele se apresentasse e perguntou quantos dias ficaria hospedado.
— Pretendo ficar alguns dias, ainda não sei ao certo. Talvez uns dez dias, mais ou menos.
Ela o olhou intrigada, mas não comentou nada. Afinal, quem se dignaria a ficar dez dias naquela cidade no fim do mundo? O homem esclareceu:
— Vai depender de uns negócios que pretendo fazer. Mas eu lhe direi mais tarde com precisão.
— Qual é o seu nome, por favor?
— Júlio Ramirez. Sou advogado, mas atuo como detetive.
Rosa observou pelo documento, que o homem era da Capital. Preencheu rapidamente os dados no computador, imprimiu uma ficha e pediu que assinasse.
— Vou chamar o rapaz para ajudá-lo a carregar a sua mala.
— Não se preocupe. É só uma mala pequena e uma mochila.
Rosa surpreendeu-se, como ele pretendia ficar tanto tempo, trazendo aquela mala minúscula, mas isso não lhe dizia respeito. Entregou a chave com o número 703. Por fim, informou era bem antigo, com uma grade que devia fechar para que funcionasse. Júlio sorriu e acrescentou, satisfeito:
— Estive há pouco numa cidade que tudo era meio ultrapassado. Não se preocupe. Eu também nunca pensei que voltaria à antiga profissão e estou de volta.
— O senhor é advogado?
— Aposentado. E detetive também aposentado. – Concluiu com um sorriso. – Mas agora, parece que voltei à ativa.
Rosa gostaria de perguntar em qual das duas profissões, mas preferiu calar-se. Não era de bom tom intrometer-se na vida dos hóspedes.
Já na porta do elevador, o homem se voltou para a portaria e perguntou:
— Por favor, a senhora, como é seu nome mesmo?
— Rosa.
— Muito bem, Dona Rosa, eu ia perguntar... – Ela o interrompeu, rápida. – Rosa, por favor, me chame de Rosa apenas. Este dona me deixa muito velha – acrescentou, sorrindo.
— Pois não, Rosa… Você por acaso conhece uma senhora chamada Sara Soares?
— Sara Soares?
Rosa tentou lembrar-se de alguém com este nome. Apesar de ser bem conhecida na cidade, ela mesma não costumava recordar o nome das pessoas. Talvez até a conhecesse.
— Não importa. Terei muito tempo para encontrá-la.
Rosa então lembrou que Raul possuía este sobrenome. Talvez se tratasse de algum parente, por isso, alertou:
— Espere, eu conheço um rapaz do nosso coral que se chama Raul Soares. Pode ser que seja algum parente.
Júlio interessou-se fechando a porta do elevador e dirigindo-se até o balcão onde Rosa estava.
— Ele é casado? Tem filhos?
— Não, imagina. Aquele maluco é um solitário. Teve uma namorada, uma tal de Susi, mas o deixou faz tempo. Certamente não aguentou aquele traste.
— A senhora está bem irritada com ele, não?
— Ah, acho que estou incomodando-o. Não quero atrapalhá-lo, o senhor está chegando e nem o deixei subir até o quarto.
—Rosa, não se preocupe com isso. Eu sou um homem que adora conversar. Depois que me aposentei e fiquei viúvo, sabe, as coisas mudaram muito. Fiquei talvez tão solitário quanto esse seu amigo aí. Por que a senhora acha que a moça não o suportava mais?
— Dona, senhora. O senhor continua com formalidades.
— Sou um homem às antigas, mas já vou me corrigir. Por que você chamou o rapaz de traste?
— Na verdade, eu até gostava muito dele, mas de uns tempos pra cá, ficou fazendo coisas estranhas, sabe? Um dia desses, entrou na minha casa e estava com a minha chave, até hoje não sei como conseguiu. O que sei é que troquei todas as fechaduras, por precaução, claro.
— E por que ele fez isso?
— Queria falar comigo, estava muito nervoso. Mas deixa pra lá, não quero incomodá-lo, como já disse, sobre as histórias de Raul. Mas o que acha sobre o sobrenome? Ele mora com a mãe. Se quiser, posso me informar qual o nome dela. Se for Sara, fechou.
— Muito obrigado, Rosa. Não sei como agradecer-lhe.
— Então, por favor suba e veja se gosta do quarto. Ele dá para a rua da frente do hotel, é bom que você tem a vista da cidade.
— Sim, tenho certeza de que vou gostar.
Afastou-se e desapareceu no elevador. Rosa se perguntava se não teria falado demais. Afinal, nem conhecia o hóspede a ponto de fazer-lhe confidências. Entretanto, procurou o nome de Raul no celular e verificou se havia um número de telefone fixo. Em seguida, decidiu fazer uma ligação. Por fim, certificou-se de que seu palpite estava certo.
Rosa dedicou-se a pesquisar músicas no google, com a expectativa de mais tarde contar a a novidade a Júlio. Era um homem apessoado, pensou. Devia ter seus cinquenta e poucos anos ou mesmo sessenta e parecia bem disposto com a vida.
Que estaria ele fazendo ali, naquela cidade pequena, sem nenhuma projeção no Estado, a não ser alguns crimes que ultimamente haviam ocorrido.
Dissera que era um detetive, mas quem o teria chamado. Seria a mãe de Raul? Era bem estranho, pensou.
Deixou as pesquisas de lado e decidiu espiar um pouco a rua.
Foi até a porta e reparou que Seu Domingues, um velho conhecido, sentava no banco da praça, como sempre. Como aquele velho podia suportar o frio que fazia, sempre no mesmo lugar, olhando para o nada, mesmo num dia ensolarado como o de hoje?
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